Dirty John e a história real por trás do show estrelado por Eric Bana e Connie Britton
A vida e John é tão bizarra que inspirou um podcast,uma matéria na revista Bravo!, um documentário e uma série do Netflix
Vamos falar sobre stalkers. Vamos falar sobre tráfico de drogas. Vamos falar sobre Plenty of Fish (POF, para os íntimos), assassinato, relacionamentos abusivos, roubos e scammers. Tudo isso cabe em pouco mais de 20 anos da vida de um homem.
Tudo começou com uma série de 6 reportagens do L.A Times que narra a história de John Meehan, um golpista que aterrorizou a vida da familia Newell em Los Angeles entre 2014 e 2016. As reportagens deram origem ao podcast Dirty John, da Bravo, que por sua vez originou a série homônima do Netflix.
Ao assistir Dirty John, a primeira sensação que se tem é “nossa, será que aconteceu assim mesmo?” E como estamos aqui para te contar o que você quer saber, vamos apresentar a história real de John Meeham e Debra Newell.
Dirty John: Debra
[ Spoiler Alert: o texto a seguir vai revelar a historia contada em Dirty John] Imagine que, depois de quatro casamentos e um sem-número de relações frustradas, você decide acessar um site de relacionamentos e conhece o príncipe encantado: um médico anestesista boa pinta que acaba de voltar de uma temporada servindo no Iraque como médico de guerra e atua no setor imobiliário em seu tempo livre. Além de tudo, seu sucesso na vida é um caso de resiliência, posto que conseguiu fazer carreira apesar de ter crescido em uma família abusiva de viciados em drogas, que o levaram a se envolver com uma esposa totalmente maluca, que lhe nega acesso aos seus dois filhos. Foi assim que John Meeham se apresentou à Debra Newell, uma empresária do segmento de decoração — sua marca, a Ambrosia Home Furniture & Décor, tem diversas lojas na Califórnia e em Nevada.
Os encontros, apesar de um tanto quanto desajeitados, eram bastante afetuosos, e parecia haver uma conexão entre os dois. A relação evoluiu, e tudo estaria perfeito na vida do casal se não fosse a desconfiança de suas filhas mais novas, Jacquelyn (a Veronica do show) e Terra, de que o novo namorado da mãe parecia bom demais pra ser verdade. Ignorando algumas red flags sobre o temperamento errático de John, Debra acabou aceitando seu pedido de casamento depois de dois meses de namoro, e os dois trocaram alianças em Vegas, numa cerimônia escondida da família, pouco tempo depois.
O tempo passou, mas a pulga atrás da orelha dos membros da família não arredou pé. Jacquelyn, à época com 24 anos, percebia uma série de detalhes perturbadores no “namorado” de sua mãe:
“Eu não gostava da forma como seus olhos perscrutavam nossas cadeiras de veludo, nossas obras de arte, nem mesmo do jeito como me perguntou sobre o cofre onde guardávamos as coleções de bolsas Cartier” ela contou ao The Sun U.K
Tara, por sua vez, achava que não fazia sentido um médico bem sucedido e investidor do mercado imobiliário andar sempre malvestido, não ter carro e estar sempre sem dinheiro.
Shad, que na série recebe o nome de Toby, é sobrinho de Debra, e em consequência de seu passado traumático (bastante explorado na série) a considera uma segunda mãe. Nas entrevistas que concedeu ao L.A Times, Shad afirma que no início considerava Meeham “um cara o.k o suficiente”, apesar de suas brincadeiras com um fundo excessivo de verdade sobre querer jogar Jacquelyn de um penhasco. Entretanto, após a insistência da prima, ele acabou ajudando na pesquisa sobre o passado de John, tendo localizado uma série de ex-namoradas enganadas e passagens pela polícia das quais Debra não fazia ideia, que levaram a um confronto entre o casal. Consequentemente, Shad acabou recebendo mensagens de texto como:
“Eu não vou para lugar nenhum, nem ela. Fique longe da nossa casa. Acidentes acontecem. Repito, Deb não quer nada com você, e se você estivesse pegando fogo eu não mijaria em cima para te ajudar”
As ameaças só cessaram quando Shad desistiu de tentar alertar sua tia contra Meeham.
Quase um ano e meio após o casamento, Debra finalmente começava a perceber os buracos em seu conto de fadas: havia dinheiro sumindo de sua casa, o marido parecia estar constantemente sob efeito de drogas e realmente nunca tinha nenhum dinheiro, além de ter instalado um sistema de câmeras na casa para monitorar os passos dela apesar de ela ter alegado não se sentir à vontade com isso.
Paralelamente, Jacquelyn contratou um detetive para revelar os registros das prisões de John e colocar um GPS em seu carro, e acabou conseguindo persuadir a mãe de que seu marido não era apenas um homem realmente perigoso, mas também não era médico — e muito menos um investidor bem sucedido no ramo de negócios imobiliários.
As relevações da filha a transformaram no novo alvo do ódio de John, levando-o a uma perseguição permeada por ameaças e ataques à sua reputação que se intensificaram quando Debra pediu o divórcio.
“Every breath I take will be to ruin your life”. A vida de John
Tradução: irei usar todo o meu fôlego para destruir sua vida — trecho de uma carta de John Meehan para uma de suas vítimas
John Meehan começou sua vida no crime cedo: quando criança ajudava seu pai a tocar os esquemas referentes a um cassino ilegal em San José, na Califórnia. Com um background desses, não é de espantar que sua adolescência tenha sido repleta de pequenos golpes envolvendo tráfico de drogas e falsidade ideológica — apesar disso, ele é descrito pelas irmãs (que eram duas e um irmão, que na série temos representados na pele da irmã Karen) como extremamente popular no colégio, em decorrência de uma personalidade charmosa e extrovertida.
Já nos anos 80, John acumulou uma série de passagens pela cadeia por tráfico de cocaína, chegando a ser expulso da Califórnia como parte de um acordo judicial de sua liberdade condicional. Sua vida universitária foi igualmente errante, marcada pela passagem de uma faculdade para outra até chegar na University of Dayton School of Law, onde foi condecorado com o apelido que dá nome à série do Netflix em função dos pequenos golpes que aplicava em professores e alunos.
É nessa faculdade que ele conhece a enfermeira Tonia Sells, de 20 e poucos anos, para quem se apresentou como tendo 26 (na verdade eram 31) e sendo apaixonado por enfermagem. Os dois engataram um relacionamento que evoluiu para um casamento, cujos frutos foram dois filhos e Tonia precisar financiar a faculdade de enfermagem e a licença de anestesista de John. A união acabou desmoronando graças à infidelidade, ao vício em anestésicos e ao tráfico dos mesmos, que o levavam a não aplicar os remédios em pacientes que precisavam.
John reagiu ao fim do casamento afundando ainda mais no vício, ao que se seguiu uma nova leva de prisões, acusações de roubo e novas tentativas de golpes envolvendo tanto seus próprios advogados, que ele processava para não precisar pagar, quanto mulheres ricas e solitárias em busca de companhia — o que conseguia posando como médico em sites de namoro. Seu modus operandi? Se envolver num relacionamento, tirar todo dinheiro possível da vítima e persegui-la agressivamente após o término até ser impedido por uma ordem de restrição: foram ao menos três, que a equipe do L.A Times conseguiu localizar. Num desses casos, a vitima relatou ter acordado com ele de pé ao seu lado na cama após ter tirado fotos nuas dela, as enviado à sua família e ameaçado divulgá-las para todo mundo caso não recebesse milhões de dólares. Outra ex-namorada recebeu uma carta na qual ele afirmava havê-la deixado inconsciente, estuprado e tirado fotos de seu corpo. A forma de resgatar essas imagens? Um pagamento absurdo, obviamente.
Foi exatamente nessa época que ele e Debra se conheceram, e essa parte da história vocês já conhecem.
O triste fim de John Meeham
Os ataques de John à Debra e sua família só aumentaram — ele chegou a ir ao seu trabalho, roubar seu carro e colocar fogo nele e a intensificar as ameaças à sua família. As irmãs Terra e Jacquelyn lembram de terem-no visto esperando do lado de fora de seu apartamento tarde da noite, em seu carro. Desde então, elas começaram a andar armadas com facas de bolso, para a eventualidade de esbarrarem com ele novamente.
Em outra noite, Terra estava voltando pra casa quando John apareceu por trás dela com uma faca, cortando seus braços:
“Ele estava tentando me empurrar para o seu carro, e eu tentei sair de perto dele. Comecei a gritar, ao que ele colocou as mãoes sobre a minha boca. O mordi o mais forte que consegui.”
Ela usou seus coturnos para chutar a faca de suas mãos e, quando ela caiu no asfalto próxima à sua mão direita, a pegou. “Eu apenas comecei a esfaqueá-lo. Pensei que se ele conseguisse levantar, ia acabar me matando.”
Os policiais que chegaram mais tarde à cena do crime encontraram no carro de John o que chamaram de “kit de sequestro”: fita adesiva, amarras, doses prontas de drogas injetáveis e um conjunto de facas de cozinha.
Foram 13 facadas no total, nos ombros, braços, costas, peito, e uma em seu olho esquerdo profunda o bastante para atingir o cérebro. Ele estava vivo quando o resgate chegou, mas teve seus aparelhos desligados quatro dias depois do ocorrido quando ficou constatado que não seria possível se recuperar das lesões.
Terra foi inocentada pela polícia, que considerou o caso de legítima defesa, mas nunca se recuperou totalmente do ocorrido. Hoje com 28 anos, ela se dedica a superar o stress pós traumático, viajar e ir a festivais de música country. Jacquelyn, por sua vez, tem uma empresa de Design.
Debra se mudou para Nevada, e toca seus negócios por lá. Meses após o ocorrido, ela topou a entrevista ao L.A Times para alertar mulheres sobre os riscos de se envolver com desconhecidos.
John foi cremado, e não houve nenhum tipo de cerimônia fúnebre. Não existia ninguém que se importaria com ele o suficiente para comparecer.
História originalmente publicada em http://cultetc.com/2019/02/21/dirty-john-conheca-a-historia-real-por-tras-do-novo-drama-do-netflix/
Fontes:
https://www.harpersbazaar.com/culture/film-tv/a25372275/dirty-john-true-story-timeline/